segunda-feira, 13 de junho de 2011

esperando outrem


A rua da Linha surgiu no bairro de Santa Luzia em meados dos anos 1950, período de grande expansão industrial e responsável pela chegada dos trens da então Companhia Railway à cidadezinha, e que a partir dali fariam a ligação entre as capitais do estados nordestinos cortando as entranhas do interior. Com as distâncias “diminuídas”, a vida daquele povo seria definitivamente transformada, e para muito melhor. Já os ingleses, esses tinham pressa, e logo que a construção ficou pronta, o imponente prédio da estação foi inaugurado com a sua devida pompa, a presença do então governador, do bispo, e de outras autoridades, cercadas por aquela dúzia e meia de cupinchas, inerentes aos eventos deste porte. Enquanto isso, a atmosfera soltava o cheiro de progresso.

O seu Matias, como ficou conhecido o primeiro funcionário da gare, foi quem deu inicio ao arruado. Já passava dos trinta e contava o segundo filho; casado com dona Marieta. Para facilitar a vida, astuto que era, seu Matias empreendeu a construção da casinha simples e confortável num terreno amplo de modo que não distanciasse tanto da estação. Não demorou e logo outros colegas de trabalho o copiaram, formando em menos de um ano a ruazinha colorida do pessoal da Rede Ferroviária.

Nada se comparava a morar pertinho do trabalho, rodeado de colegas, e tendo os filhos e mulheres quase que à vista quando no oficio das funções, porém, havia um inconveniente: o trem. Apesar de no perímetro urbano a velocidade ser reduzida, havia o perigo de acidentes, além do barulho natural da coisa. Dona Marieta se deu conta disso logo nas primeiras semanas, mas estava muito feliz. Tanto que já pediu ao marido a permissão para trocar o guarda-roupas surrado por um novo, e maior.

Do primeiro salário, Seu Matias retirou a parcela necessária à compra e isso foi feito. Dias depois, compra e instalação efetuadas, a esposa percebeu um defeito no produto, posto que justo a porta central se abria quando o trem passava. Aquilo se tornou um suplicio, e inúteis foram as visitas do rapaz da loja no afã de resolver a bronca. Foi aí que vendo o aperreio da vizinha, Dona Estelita indicou o Alcides, verdadeiro especialista na arte da marcenaria. Mesmo assim, três visitas depois, não se deu a solução. Assim, o grande especialista teve um ideia que poderia denunciar a origem do misterioso problema. Informando-se com a dona da casa sobre o horário do próximo trem, decidiu que ficaria dentro do móvel para detectar a causa na hora que o trepidante veículo passasse.

Faltava meia hora para que passasse o próximo trem, justo o do meio dia, horário em que parte dos funcionários ia almoçar em casa. Como combinado, Alcides entrou no guarda-roupas e quieto lá dentro, ficou a esperar. Nesse ínterim, Dona Marieta foi acabar o preparo do almoço do marido que estava chegando. Distraída na cozinha, a mulher não percebeu que Seu Matias entrou em casa, e, logo rumou para o quarto, louco para tomar aquele banho antes do almoço. Qual não foi o seu susto ao abrir a porta central do móvel para pegar uma toalha, e deu de cara com um cidadão lá dentro.

- Oxe, cabra safado, que porra tu tá fazendo aí, hein!?

- Se eu lhe disser que estou esperando o trem?...

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